31 DE MARÇO DE 1964


Completara 19 anos em dezembro de 1963.  Realizei dezessete exames vestibulares entre escritos e orais e ingressei em Economia na USP e Direito na PUC-SP. As aulas da Economia começaram em março de 1964. As do Direito apenas em abril, a faculdade estava em greve e só terminou com a saída de Monsenhor Victor, o construtor do Auditório Tibiriçá, depois, Teatro da Universidade Católica de São Paulo, TUCA. O Centro Acadêmico 22 de Agosto, então presidido pelo Camilo Augusto Leite Cintra, argumentava que as prestações pagas pelos alunos estavam sendo usadas para a construção do que chamavam de “mausoléu”!
Entramos juntos, em 1º de abril. Os militares no Palácio da Alvorada, em Brasília e eu, na Rua Monte Alegre, bairro de Perdizes, onde fica a famosa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e uma das melhores faculdades de Direito do Brasil. Minha classe reunia vários ex-presidentes de centros estudantis: Luiz Gonzaga da Rosa Travassos, do Colégio Santo Agostinho; João Paulo Rocha de Assis Moura, do Colégio Arquidiocesano; Eugênio Augusto Franco Montoro, do Colégio Santa Cruz; Rafael de Souza Noschese, do Colégio Dante Alighieri; havia ainda mais um ou dois ex-presidentes, mas não me lembro nem dos nomes, nem dos colégios; e, por fim, eu mesmo, do Colégio Santo Américo.
Alguns estudantes que se tornaram famosos foram nossos calouros: José Dirceu de Oliveira e Silva, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, José de Abreu, José Mentor, nomes que me surgem de pronto e que ingressaram na faculdade em 1965.
Voltando a 1964, fui preso neste mesmo ano, com mais 400 estudantes, quando tentamos fazer o Congresso da União Estadual dos Estudantes na Faculdade de Engenharia Industrial, a FEI, em São Bernardo do Campo. Antônio Funari Filho era o então presidente da UEE de São Paulo, membro da Ação Popular, hegemônica no movimento estudantil da época. A “AP” surgiu como braço político da Ação Católica, precursora da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, as famosas CEBs, consagradas em 1968 pela Conferência Episcopal Católica, reunida em Puebla.
Ninguém foi torturado fisicamente. Apenas psicologicamente, especialmente avisados para que não participássemos do movimento estudantil, cheio de comunistas, vociferavam. A intenção dos militares e do DOPS, Departamento de Ordem Política e Social era a de cadastrar, preventivamente, a nova geração de participantes. O Travassos, colega de classe e amigo pessoal foi um dos primeiros a ser liberado, embora fosse presidente do Diretório Central dos Estudantes da PUC-SP, o mais articulado de todos nós e, então, o mais protegido pelas infiltrações sempre existentes nos sistemas. O Funari, o último.
Fiquei muito chateado porque havia marcado um cinema com a Cecília, ex-namorada com quem pretendia reatar. Depois de muito esperar, ela ligou para casa e a mamãe disse que eu não poderia ir ao Cine Metrópole, já que estava preso. Assustada, ela sumiu! Demorei uns seis meses para me recuperar do incômodo da prisão, fiquei com medo até de guarda civil! Mas passou e a vida universitária continuou, com alto grau de liberdade nas PUCS, os militares não queriam se indispor com os cardeais e o próprio Papa. Daí que as lideranças do movimento estudantil saíram predominante delas, a exemplo do Travassos, desde 1964 e do Dirceu a partir de 67, quando a AP e a ALN racham o movimento estudantil, coexistindo a UEE da AP com a Catarina Melloni presidente e a UEE da ALN com o Zé Dirceu na presidência.
Em 11 de setembro de 1965 inauguramos o TUCA, encenando a peça Morte e Vida Severina, do poeta João Cabral de Mello Neto, musicada pelo Chico Buarque. Depois, em abril de 1966, fomos a Nancy, França, e conquistamos o primeiro prêmio do 1º Festival de Teatro Amador organizado por Jack Lang. Entusiasmado, Jean Louis Barrou, então presidente de La Comédie Française, levou-nos aos palcos do Teatro Odeon, em Paris.
Em janeiro de 1967 compareci ao Congresso da União Nacional dos Estudantes, realizado clandestinamente no porão de uma Igreja em Belo Horizonte, logo após o nosso encontro anual da Juventude Universitária Católica. Neste ano, membro da coordenação regional da JUC em São Paulo, elegi-me vice-presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto, gestão Omar Laino. Estando com o casamento marcado para dia 13 de novembro de 1968, não compareci ao congresso da UNE em Ibiúna, o que me salvou da segunda prisão. Um mês depois do casamento, o AI-5 sufocou o que restava de liberdade, ainda que esta houvesse de coexistir com o que Tristão de Ataíde, pseudônimo do pensador católico Alceu Amoroso Lima, chamava de terrorismo cultural, presente desde antes do coup d’état e intensificado a partir dele.
O AI-5 de 13 de dezembro de 1968 fecha a porta de chumbo e eu começo o meu período de exílio interno, no próprio país, pior ainda do que o exílio externo, pois, castrador da alma humana. Levei um susto brutal quando em 1975, alguns integrantes do TUCA foram presos. Preparei-me para sair do país, mas, felizmente, não foi preciso. Eu só viria a recuperar a minha autoconfiança em um regime de liberdade ao final da Presidência Sarney.
Este é o meu testemunho. Ditadura nunca mais!


Comentários

Unknown disse…
o que para mim é uma história, para o Sr uma realidade vivida trazida pra mim num emocionante desabafo de alma e consciência. adorei.

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