DO-OCRACY (FAZER DEMOCRACIA) E DEMOCRACIA DIRETA.

---------- CAPÍTULO 12 ----------

DO-OCRACY (FAZER DEMOCRACIA) E DEMOCRACIA DIRETA.

Século 18. Revolução liberal. O indivíduo ganha proteção jurídica contra o absolutismo estatal. Rousseau com o Contrato Social (1762) não consegue desbancar Montesquieu em O Espirito das Leis (1748). Segundo este, o povo não é capaz de decidir a respeito dos negócios públicos mas é capaz de escolher quem pode bem... representa-lo para isso.

Consolida-se, pois, a democracia liberal representativa, o sufrágio universal e o financiamento das campanhas é feito, por exemplo, vendendo convites caros para jantares. Vão, então, se formando partidos políticos de quadros da elite. Em contrapartida, no século 19, os movimentos socialistas começaram a organizar seus partidos recolhendo mensalidades dos operários, origem dos atuais partidos políticos de massa. O Manifesto Comunista, recorde-se, data de 21 de fevereiro de 1848.

Os dois tipos de partidos, tantos os de quadros quantos os de massa, revelaram-se organizações que se oligarquizaram: um grupo cada vez menor de pessoas passou a dirigir os dois tipos de partidos. A oligarquização partidária passou a ser considerada uma “lei de ferro”, ou seja uma lei inescapável, intrínseca à evolução dos partidos políticos. (Robert Mitchell).

A dinâmica da oligarquizarão favoreceu a captura dos partidos políticos pelo poder econômico-financeiro: a realidade atual demonstra a financeirização da economia. E como conseqüência, a desvinculação partidária do povo, de suas necessidades materiais e culturais. O povo, então, ficou reduzido a mera massa de manobra geradora de votos destinados ao acesso e à manutenção do poder politico. Como disse com razão Warren Buffet: “A luta de classes existe sim e nós a estamos vencendo”. Ou seja, na luta entre o capital e o trabalho, o capital está vencendo.

Por outro lado, a alternativa à democracia eleitoral representativa baseada no sufrágio universal, considerada a democracia mínima, é a democracia direta, considerada a democracia máxima. Advogando a democracia direta, Rousseau afirma que a vontade de um indivíduo não pode ser representada por um outro. Entretanto, em razão das distancias geográficas determinantes na era pré-Internet, a democracia direta permaneceu inviável.

Após a industrialização e as lutas sindicais dos dois séculos passados e especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, a democracia passou a admitir a participação do povo, para além do sufrágio universal. Foi se tornando cada vez mais uma democracia participativa. Varias formas de consulta direta foram sendo criadas e institucionalizadas, ainda que muito poucas admitindo um caráter deliberativo às mesmas. Longe está o povo, pois, de exercer influência na elaboração dos orçamentos dos órgãos públicos.

A luta pela democracia participativa permite mudar a fórmula clássica de Lincoln. Da democracia como “governo do povo, pelo povo e para o povo” para democracia como “governo do povo, pelo povo e COM o povo.” No Brasil, o precursor teórico e prático da democracia participativa foi o professor e politico André Franco Montoro.

Nesse passo, vale lembrar o pensamento do filósofo Norberto Bobbio, exposto no livro O Futuro da Democracia. Para ele, o estágio de desenvolvimento de uma sociedade democrática não se mede mais pelo numero de votações que ocorrem em dias marcados para eleger dirigentes políticos, mas pelo número de locais institucionais, tais como escolas, hospitais, empresas, etc., em que as votações para a escolha dos dirigentes, são permitidas.

A Historia, no entanto, através da revolução digital, abre espaço para Rousseau em direção à democracia direta. Um degrau nesta direção é a chamada Do-ocracy, o fazer democracia, a ação direta, o atuar diretamente. O agir em contato humano direto. A obtenção de resultados a partir da ação direta é, sim, possibilitada pela comunicação dinâmica favorecida pela Internet, pelas redes sociais, estimuladoras da mobilização e da própria organização.

De acordo com a Comunidade Wiki, “Do-ocracy é uma estrutura organizacional na qual os indivíduos escolhem papéis e tarefas para si próprios, e os executam. As responsabilidades são atribuídas às pessoas que fazem o trabalho, e não às autoridades eleitas ou selecionadas.”

Por isso, a Do-ocracy vem despontando como um novo valor, uma nova cultura, um novo paradigma. Cria um crescente contrapeso ao Estado e às suas instituições. Os instigadores dos movimentos sociais ‘de rua’ muitas vezes não estão vinculados a partidos políticos ou a órgãos de governo, criando uma nova forma de poder, com base nos cidadãos comuns, informados e conectados às redes sociais. Os participantes destes movimentos conseguem se comunicar de maneira autônoma, evitando ser censurados pelos canais de comunicação controlados pelo establishment.

A Avaaz, dentre outras plataformas da Internet é uma ferramenta e um movimento global na web que procura influenciar as tomadas de decisão, em qualquer lugar do mundo, exemplificando uma forma da Do-ocracy.

Em termos tecnológicos, já estamos fazendo quase tudo online: socializando, aprendendo, pagando, recebendo, etc. Existem plataformas digitais para quase tudo. A Do-ocracy poderá se manifestar também através de plataformas que permitam tomar decisões políticas sobre como alocar o dinheiro do país, o dinheiro dos Estados federados, das regiões autônomas, das províncias, dos distritos e dos municípios. Desenvolvedores talentosos, certamente darão conta dessa necessidade.

Ainda nesta área da tecnologia, os netizens deveriam influenciar os termos dos acordos e do desenvolvimento das plataformas de massa, a fim de firmar o seu consenso. Desta maneira, iriam concretizar a Do-ocracy também nas plataformas privadas. Por exemplo, o Facebook, com mais de um bilhão de usuários, pode ser considerado um país virtual, o mais importante da História até hoje. Por que seus usuários não estão envolvidos nas decisões relacionadas ao seu processo de desenvolvimento, afim de conferir legitimidade através do consenso?

Situando a Do-ocracy em uma perspectiva de futuro, em direção à democracia direta, notamos um choque cultural que é também um choque geracional. O novo e o velho se contrapondo. Por um lado, começa a definhar o atual sistema representativo fundado em distancias geográficas e em votos, administrado pelas gerações que atualmente ocupam o poder. Por outro lado, o novo sistema digital ainda não se organizou. Teoricamente, temos sistema eleitoral representativo (Montesquieu) versus o sistema da democracia direta (Rousseau).

Neste sentido, a Constituição Federal do Brasil de 1988 concilia os dois sistemas: o indireto representativo e o direto. Esta previsão se encontra no parágrafo único do Artigo 1o. Diz ele: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Tecnicamente, uma democracia semi-direta.

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