2015, O ANO DA DO-OCRACY


DO-OCRACY quer dizer “fazer democracia”. Significa que o povo pode emanar o seu poder diretamente, através de uma ação direta em face do poder político. E fazê-lo tomar uma decisão de seu interesse. Ação direta, sem a intermediação político-partidária, da representação sindical ou profissional, de igrejas ou de qualquer outra entidade intermediária entre o indivíduo e o Estado.
Neste sentido, penso que o ano de 2015 foi o ano da do-ocracy no Brasil. Cito três exemplos que têm, em comum, um novo instrumento, ferramenta ou capital, a saber, a Internet e os bens nela existentes. Exemplos de natureza sócio-políticos.
O primeiro, a greve dos caminhoneiros, em janeiro de 2015. Pararam o país, articulando-se pelo whatsapp . A Presidente da República chamou o presidente do sindicato e atendeu, de imediato, boa parte das reivindicações. Ação direta, pois, arrancou da Presidente decisão favorável aos grevistas, independentemente da ação institucional do sindicato representativo da categoria. Este não conseguira nem ser ouvido pela Presidente. No entanto, a articulação da paralização pelo whatsapp logrou os resultados almejados. Do-ocracy.
O segundo exemplo vem dos teenagers, da garotada do ensino fundamental e colegial, no trimestre passado. As ocupações das escolas públicas iniciadas pelos alunos do Colégio Fernão Dias, no bairro de Pinheiros, na capital de São Paulo. Em menos de um mês, mais de 200 escolas foram ocupadas pelos respectivos estudantes, obrigando o Governador do Estado de São Paulo a revogar o decreto que pretendia uma reorganização do sistema. Nem é preciso enfatizar que a velocidade das ocupações deveu-se à interconectividade dos netzens plugados nas redes sociais existentes na Internet. Ação direta, do-ocracy.
O exemplo mais surpreendente, contudo, veio do movimento Brasil Livre. Rapazes e moças gritavam impeachment em novembro de 2014, no vão do MASP – Museu de Arte de São Paulo. Percebi que recebiam pouquíssima atenção, mesmo do outro movimento, o “Vem pra rua”, cujo líder afirmava estar centrado no combate à corrupção e não no impedimento da Presidente recém-eleita. Os políticos da oposição descartavam-no e afirmavam preferir o sangramento da Presidente, eleita mediante sórdido estelionato eleitoral.
Foram quatro manifestações de rua articuladas pelas redes sociais existentes na Internet. A primeira em 15 de março de 2015. A seguir, no dia 12 de abril. Uma no terceiro trimestre e outra no quarto, mobilizando, ao todo, quase 500.000 pessoas, segundo o DATAFOLHA. Em 12 de abril o “Vem pra rua” aderiu à tese do impeachment, os jornais e meios de comunicação de massa começaram a mencioná-lo aqui e ali, em setembro o jurista Hélio Bicudo e os advogados Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr apresentaram a petição do impedimento ao Congresso Nacional, o Presidente da Câmara dos Deputados aceitou-a, formou-se a comissão especial para apreciá-lo e o STF teve de se pronunciar sobre o rito do mesmo.
O importante, nesta minha reflexão, é reconhecer que os meninos impuseram a tese do impeachment como a agenda política do país. Através da ação direta, manifestada nas ruas. Um impressionante exemplo de Do-ocracy. É claro que os fatos estarrecedores revelados pela operação Lava-jato e a cobertura dos jornais e meios de comunicação de massa alimentaram a indignação mobilizadora. Mas a coreografia das manifestações, suas datas, horários e percursos foram moldados pela moçada da geração Y, pelos milenials ou netzens.
Parece-me que o fenômeno é complexo e profundo, pois entrelaça a revolução digital, o conflito de gerações, o conflito de interesses econômicos e sociais, o conflito entre a economia de mercado e a economia compartilhada, a visão e o papel do Estado e, sobretudo, o modo de decidir sobre as coisas que interessam ao bem comum. Os jovens desconfiam dos políticos e dos partidos, não se sentem representados. E mais do que isso, no geral, estão dispensando a democracia representativa indireta. Uma coisa muito cara às vovós e aos vovôs nascidos na era pré-Internet!
Neste sentido, foi sintomático que nas jornadas de junho de 2013, a voz das ruas ecoou o “sem partido”. E no 13 de março de 2016, nenhum político expressivo da oposição foi sequer acolhido. Independente de juízo de valor, é o que se constata. Talvez, por isso, o constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho tenha afirmado, em seu livro “Brancosos”, de fevereiro de 2006, que os juristas deveriam se ocupar dos equivalentes jurídicos da democracia eletrônica. Por ora, do-ocracy!

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