INTERREGNO !
Outro dia, na TV, ouvi o historiador Eric Hobsbawm citar seu colega Tito Lívio para explicar o sentido político da palavra interregno. Um período em que a velha estrutura de poder já não consegue dar conta de governar e uma nova que ainda não se estruturou. Tempo de instabilidade, incerteza, em que ninguém sabe o que pode ou o que vai ocorrer. Historicamente, Tito se refere à duração de um ano, que vai da morte de um imperador após trinta e oito anos de império e a nomeação do seguinte.
Tive esta lembrança lendo “Made in mundo” de Thomas Friedman, no Estadão de 31 de janeiro, pág. A10. Logo no início ele menciona que Fidel Castro escreveu em um artigo: “a escolha de um candidato republicano desse império globalizado e amplo é – e afirmo seriamente – a maior competição de idiotice e ignorância jamais vista”. Friedman, então, diz que não é bom quando políticos estão distantes das realidades globais de hoje.
E, para caracteriza-las, o articulista do The New York Times traz a fala de alguns CEOs, mas reproduzo apenas uma. A de Victor Fung, diretor da Li&Fung, uma têxtil de Hong Kong, para quem a regra hoje é “abastecer em qualquer lugar, manufaturar em qualquer lugar e vender em qualquer lugar”. E Friedman aduz: “a noção de ‘exportação’ está desaparecendo”.
Tanto a fala de Fidel quanto as falas dos CEOs ilustram a metáfora que meus alunos escutam há anos, recurso lingüístico que venho usando para indicar o interregno que, concordo, estamos vivendo. De fato, tenho sugerido que os chefes de Estado não passam de meros senhores feudais geograficamente situados, cujo acesso ao poder vem, no mais das vezes, mediante a engenharia eleitoral partidária. Sim, senhores feudais diante das empresas-rede operando mundialmente e decidindo virtualmente em tempo real, constituindo-se eles, portanto, para muitos CEOs, em obstáculos a serem superados.
Esta metáfora pode, ainda, ser conectada com outra idéia que tenho veiculado junto aos meus alunos e que pode aprofundar a percepção de que estamos vivendo um interregno. É a de que no interior da revolução digital, os códigos fontes abertos e as plataformas livres na Internet, conhecimentos não passíveis de apropriação pelos indivíduos, empresas ou Estados, possam indicar coisa fora do alcance da propriedade capitalista, seja privada, seja estatal. E ousando mais ainda, chego a afirmar que os hackers constituem uma nova classe social em formação.
De uma perspectiva mais conjuntural vem o editorial do Estadão de 31 de janeiro ratificar a percepção de interregno político, no sentido amplo e genérico de mudança de era. Sob o título de ‘Os sem-propostas, lá e cá” chega a afirmar que “a internacionalização do processo produtivo e a instantaneidade dos movimentos desabridos do capital privam os governos do poder efetivo de intervir de que dispunham decênios atrás. À falta de melhor, a maioria deles se inclina a cortar gastos, na expectativa de recuperar a capacidade perdida de atuação. Isto atinge o Estado de Bem Estar Social, agravando as desigualdades já decorrentes da versão contemporânea da economia de mercado”.
E continua o Estadão, espantosamente, mas escondendo-se atrás de uma ironia, como segue. “Um marciano diria que estão dadas as condições objetivas para pôr em xeque o sistema de propriedade privada dos meios de produção”. Entretanto, o que o jornal procura refletir no título do editorial é o fato de que nem em Davos, nem em Porto Alegre, os fóruns deste 2012, tanto o econômico, quanto o social sabem direito o que propor.
Em verdade, penso, o fórum social e especialmente os movimentos tipo “OCUPE” buscam resistir às pressões do capital financeiro, o desemprego e as revoltantes desigualdades. Já em Davos, como deduzi da fala do CEO do grupo Carlile, ouvida na CNN, muitos managers andam namorando o jeito chinês de capitalismo autoritário, providencial para dominar as massas e deixa-las sem direitos civis ou trabalhistas básicos. Para a segurança dos capitais que administram, pois, talvez seja conveniente o que aquele executivo descreveu como sendo capitalismo de Estado, possibilidade admissível.
Nota-se, em conclusão, que o interregno socioeconômico e político-institucional da atualidade tanto pode desembocar em um neofascismo ditatorial nacionalizante, quanto em um aprofundamento da democracia possibilitada pela revolução digital, mais participativa e mais direta, em torno da construção de uma governança global fundada no respeito aos direitos humanos.
Eu aposto e quero continuar lutando pela segunda alternativa. E você, caro leitor, como quer sair deste interregno?
Tive esta lembrança lendo “Made in mundo” de Thomas Friedman, no Estadão de 31 de janeiro, pág. A10. Logo no início ele menciona que Fidel Castro escreveu em um artigo: “a escolha de um candidato republicano desse império globalizado e amplo é – e afirmo seriamente – a maior competição de idiotice e ignorância jamais vista”. Friedman, então, diz que não é bom quando políticos estão distantes das realidades globais de hoje.
E, para caracteriza-las, o articulista do The New York Times traz a fala de alguns CEOs, mas reproduzo apenas uma. A de Victor Fung, diretor da Li&Fung, uma têxtil de Hong Kong, para quem a regra hoje é “abastecer em qualquer lugar, manufaturar em qualquer lugar e vender em qualquer lugar”. E Friedman aduz: “a noção de ‘exportação’ está desaparecendo”.
Tanto a fala de Fidel quanto as falas dos CEOs ilustram a metáfora que meus alunos escutam há anos, recurso lingüístico que venho usando para indicar o interregno que, concordo, estamos vivendo. De fato, tenho sugerido que os chefes de Estado não passam de meros senhores feudais geograficamente situados, cujo acesso ao poder vem, no mais das vezes, mediante a engenharia eleitoral partidária. Sim, senhores feudais diante das empresas-rede operando mundialmente e decidindo virtualmente em tempo real, constituindo-se eles, portanto, para muitos CEOs, em obstáculos a serem superados.
Esta metáfora pode, ainda, ser conectada com outra idéia que tenho veiculado junto aos meus alunos e que pode aprofundar a percepção de que estamos vivendo um interregno. É a de que no interior da revolução digital, os códigos fontes abertos e as plataformas livres na Internet, conhecimentos não passíveis de apropriação pelos indivíduos, empresas ou Estados, possam indicar coisa fora do alcance da propriedade capitalista, seja privada, seja estatal. E ousando mais ainda, chego a afirmar que os hackers constituem uma nova classe social em formação.
De uma perspectiva mais conjuntural vem o editorial do Estadão de 31 de janeiro ratificar a percepção de interregno político, no sentido amplo e genérico de mudança de era. Sob o título de ‘Os sem-propostas, lá e cá” chega a afirmar que “a internacionalização do processo produtivo e a instantaneidade dos movimentos desabridos do capital privam os governos do poder efetivo de intervir de que dispunham decênios atrás. À falta de melhor, a maioria deles se inclina a cortar gastos, na expectativa de recuperar a capacidade perdida de atuação. Isto atinge o Estado de Bem Estar Social, agravando as desigualdades já decorrentes da versão contemporânea da economia de mercado”.
E continua o Estadão, espantosamente, mas escondendo-se atrás de uma ironia, como segue. “Um marciano diria que estão dadas as condições objetivas para pôr em xeque o sistema de propriedade privada dos meios de produção”. Entretanto, o que o jornal procura refletir no título do editorial é o fato de que nem em Davos, nem em Porto Alegre, os fóruns deste 2012, tanto o econômico, quanto o social sabem direito o que propor.
Em verdade, penso, o fórum social e especialmente os movimentos tipo “OCUPE” buscam resistir às pressões do capital financeiro, o desemprego e as revoltantes desigualdades. Já em Davos, como deduzi da fala do CEO do grupo Carlile, ouvida na CNN, muitos managers andam namorando o jeito chinês de capitalismo autoritário, providencial para dominar as massas e deixa-las sem direitos civis ou trabalhistas básicos. Para a segurança dos capitais que administram, pois, talvez seja conveniente o que aquele executivo descreveu como sendo capitalismo de Estado, possibilidade admissível.
Nota-se, em conclusão, que o interregno socioeconômico e político-institucional da atualidade tanto pode desembocar em um neofascismo ditatorial nacionalizante, quanto em um aprofundamento da democracia possibilitada pela revolução digital, mais participativa e mais direta, em torno da construção de uma governança global fundada no respeito aos direitos humanos.
Eu aposto e quero continuar lutando pela segunda alternativa. E você, caro leitor, como quer sair deste interregno?
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Parabéns Professor!