OS QUATORZE PRINCÍPIOS DO ART. 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Princípio jurídico é um tipo de norma jurídica que informa outra espécie de norma, a regra. De fato, o princípio estabelece uma orientação, uma direção para o sentido que se pode dar ao dever ser da conduta, sem especificá-la com precisão. Dir-se-ia, para exemplificar, que a orientação, a direção de sentido é o da zona oeste e a rua, Felinto de Almeida. Destarte, é importantíssimo fixar que a norma-regra, mais específica, tem de se subsumir à norma-princípio, mais genérica, não podendo contrariá-la, sob pena da regra sofrer uma declaração de invalidade.

Pois bem. O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 traz quatorze princípios, norma jurídicas que estabelecem a orientação, a direção para o sentido de dever ser que se pode e se deve atribuir à conduta, direção a ser seguida por todos os demais mandamentos consagrados em todos os demais artigos da Constituição Federal. Esta é uma afirmação relevante, à vista de que há quem considere o artigo 5º como sendo o mais importante da CF.

Entretanto, em primeiro lugar, se o art. 5º fosse o mais relevante, a sua matéria viria no artigo 1º e não no 5º, ao menos pela simples e boa razão da regra hermenêutica e lógica, segundo a qual o precedente condiciona o conseqüente. E, em segundo lugar, como se deduzirá deste artigo, o art. 5º e bem assim todo o segundo Título da CF constituem-se em mero desdobramento de princípios consagrados no artigo primeiro, ainda que mediante institutos jurídicos indispensáveis, a exemplo do hábeas corpus; e mais amplamente, tomando-se os Títulos I e II, cada qual como um todo, constata-se que o Título II é um desdobramento do Título I, com ele se integrando para delinear o fundamento jurídico-político do Estado brasileiro, personalidade jurídica da Nação brasileira.

Neste diapasão, vamos, desde logo, aos quatorze princípios do artigo 1º da CF, para, ao depois, fazermos breves considerações em torno de cada qual: republicano, federativo, da identidade nominal, do Estado de Direito, do Estado democrático, da soberania nacional, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, do valor social da livre iniciativa, do pluralismo político, da soberania popular, da democracia indireta e representativa e da democracia direta ou participativa.

Confira-se, outrossim, a assertiva relativa à existência de ao menos quatorze princípios jurídicos no art.1º, relendo-o:

“Art.1º..A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estado e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.

O primeiro princípio é o republicano, definindo a forma de governo, opção pela República em face da Monarquia. Do latim, res publica, coisa pública, traduz o espírito de que todas as coisas geridas pelo Estado pertencem a todos e, pois, não podem ser apropriadas, seja por um indivíduo, seja por um grupo, qualquer que seja a sua natureza, econômica, religiosa, ideológica, étnica ou político-partidária.

O segundo princípio é o federativo, definindo a Federação como forma de Estado, escolhido em face do Estado unitário, mediante a descentralização de competências a entes que passam a gozar de autonomia legislativa, executiva e judiciária, podendo auto-organizar-se nos limites do chamado poder decorrente, aberto pelo constituinte originário.

O terceiro princípio é o da identidade nominal. O nome da personalidade jurídica de direito público internacional da Nação brasileira, do Estado, tendo como forma de governo a República e forma de Estado a Federação, é Brasil. Não é Brasília, Terra de Santa Cruz, Terra de Vera Cruz, Cabrália ou Terra do Pau Brasil. É Brasil. Brazil.

O quarto princípio é o do Estado de Direito, o oposto do Estado de fato; significando o governo da lei em oposição ao governo do arbítrio humano, baseado na força do Direito e não no Direito da força, consagrando a liberdade de comportamento individual garantida por remédios jurídicos, se ameaçada ou violada pelo Poder Público, não se admitindo a opressão, a intimidação e a chantagem dos autoritarismos e dos totalitarismos. Conquista da revolução liberal do século XVIII constitucionaliza as liberdades públicas e as garante, traço característico do Estado de Direito.

Intimamente ligado ao Estado de Direito, o quinto princípio é o democrático. Opção pelo regime político da democracia, do governo do povo, pelo povo e para o povo, em contraposição à ditadura, seja militar, tecnocrática, ideológica de partido único, de oligárquica pluripartidária ou religiosa. Democracia caracterizada por alguns elementos essenciais, tais sejam, o governo da maioria com estrito respeito às minorias, alternância de poder e uma engenharia eleitoral partidária que se aperfeiçoe mediante técnicas facilitadoras da expressão autêntica da vontade popular. Democracia, ainda, como busca permanente da realização do princípio da igualdade de oportunidades, que, como todos sabem, é uma decorrência, em primeiro lugar e prioritariamente, do ensino público, gratuito e de qualidade para todos, sem discriminações de qualquer ordem.

O sexto princípio é o da soberania nacional. A Nação brasileira se afirma no concerto das nações como sujeito de direito, devendo a República Federativa do Brasil reger-se nas suas relações internacionais segundo os princípios do art. 4º. Independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político. E, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações, a Nação brasileira buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina.

O sétimo princípio é o da cidadania. Intrinsecamente ligado aos princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático, afasta do indivíduo qualquer resquício da sua antiga condição de súdito, de ser dependente do paternalismo estatal ou mesmo de ser absorvido pelo Estado, para ver reconhecida a sua condição de portador de direitos de participação nas decisões políticas da cidade e do Estado. Guindado à condição de sujeito político e, portanto, sujeito do processo histórico do povo a que pertence, o brasileiro, mediante o exercício do direito de votar e eleger representantes, bem como, por meio dos demais direitos constitucionais deferidos à cidadania, o indivíduo se torna um cidadão.

O oitavo princípio é o da dignidade da pessoa humana, eixo principal em torno do qual não apenas se estrutura a Constituição e, portanto, o Estado brasileiro, mas toda a vida planetária. O constituinte originário recolhe, por meio deste princípio, toda a luta pela afirmação histórica dos direitos humanos, luta pontuada por vários documentos internacionais, dentre os quais sobreleva a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” de 10 de dezembro de 1948.

O nono princípio é o do valor social do trabalho, por isso que consagrado pelo caput do art. 6º como um dos direitos sociais do indivíduo. Em decorrência, são assegurados direitos aos trabalhadores urbanos e rurais em trinta e quatro incisos e um parágrafo único ao art. 7º. E mais, o trabalho é o primado de toda a ordem social, porque base constitutiva dela própria, nos termos do art. 193, o que encabeça o extenso Título oitavo da nossa Carta Fundamental.

O décimo princípio é o do valor social da livre iniciativa. Explicita-se neste princípio o que já é ínsito ao princípio do Estado de Direito, que é a consagração das liberdades públicas, especificamente a liberdade de comportamento individual frente ao poder político do Estado, com a autonomia que a Constituição defere aos cidadãos. A locução “liberdade de iniciativa”, entretanto, traz também, a conotação de liberdade de iniciativa econômica, opção pela economia de mercado em face da economia de planejamento centralizado nos regimes políticos autoritários, tal qual se viveu durante o período militar. É a escolha do constituinte originário pelo capitalismo social de mercado, em que os preços são formados no mercado e desta forma coordenam as decisões econômicas, respeitado o trabalho, também socialmente valorizado.

O décimo primeiro princípio é o do pluralismo político. Este princípio integra, complementa e especifica o do regime político democrático, a não deixar dúvida de que a Democracia pela qual se propugna no Brasil não comporta qualquer desvirtuamento ideológico, que chama de democracia popular regimes que são ditatoriais, uma vez que não admitem o pluralismo político, a concorrência de grupos distintos em busca do poder, a alternância do mesmo e o respeito às minorias. E ainda, integra e complementa o princípio da cidadania, possibilitando ao cidadão eleitor escolher entre várias opções político-partidárias que se lhe apresentem em vista da promoção do bem comum.

O décimo segundo princípio é o da soberania popular, pelo qual o poder emana do povo. O povo é, então, a fonte legítima do poder. Poder enquanto capacidade de se fazer obedecido. E ninguém se engane. O povo é esperto, sagaz. Pensa, reflete, vota e elege com sabedoria, especialmente em relação aos cargos majoritários, notadamente o de Presidente da República. O filósofo Jacques Maritain dizia que entre a mais bela teoria e o bom senso popular é melhor ficar com o bom senso popular, que tende a estar mais próximo da verdade.

O décimo terceiro princípio é o da democracia indireta, representativa, uma das formas de o povo emanar o seu poder, elegendo representantes para decidir em seu nome.

O décimo quarto princípio é o da democracia direta, forma pela qual o povo exerce o seu poder nos termos da Constituição, pelo plebiscito, pelo referendo, pela iniciativa popular de lei, pela presença em conselhos de educação e de saúde, pela ação popular, pelo direito de petição e de outros institutos jurídicos que a Constituição põe à disposição dos cidadãos.

Para finalizar esta singela reflexão, concluo com o filósofo Habermas, conclamando a que conheçamos, obedeçamos e amemos a Constituição, desenvolvendo, em cada um de nós, um verdadeiro sentimento de apreço pela Constituição Federal, estimulando um mais que urgente e necessário patriotismo constitucional!

Comentários

PRB disse…
Ótimo post mestre, uma verdadeira aula online! O art. 1º da CF/88 perde muito espaço nas aulas e nas conversas para o art. 5º, o que é uma pena. Como já comentou em aula e volta a comentar aqui: se o 5º fosse o mais importante seria o 1º.
Unknown disse…
Caro amigo, concordo com vc em todos os sentidos. Os quatorze princípios interagem uns com os outros dinamicamente,para a consolidação do Estado. Penso, apenas, que - "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais", deveria estar incluso na dignidade da pessoa humana", pois não existe dignidade num país com tanta desigualdade. Suely de Camargo
Vinícius Galego disse…
Genial caro professor!

Suas palavras fazem renascer em nós, jovens mentes àvidas pelo conhecimento,a crença em um país mais justo.

Cremos, ainda, na construção de uma sociedade pautada pelos valores da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Vamores estes que parecem perder seus real significado em um mundo cada vez mais mesquinho e individualista.

Só nos resta agradecer pelo momento de luminosidade que nos proporciona.

Do seu sempre fiel seguidor, Mackenzista.
Professor. Saúde!

Mais se beneficia quem melhor Serve! (um dos princípio Rotárico).
Sua postagem foi de uma serventia inigualável e serve para muitos.
Obrigado por Servir.
Felicidade e Sucesso,
Mário Pinheiro e Silva
Assessoria & Consultoria: Previdenciária; Jurídica e Administrativa
Anônimo disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse…
Impossível não aprender diante de tanta clareza. Não esperaria menos de um mestre tão maravilhoso!

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