O EXEMPLO SAPATEIRO


                                               
                Denise pede para reavivar o exemplo do sapateiro, a ilustrar que a mente humana sempre está um passo atrás dos fatos da vida. O povo sintetiza o fenômeno dizendo, simplesmente, que a ficha não caiu. Caiu a ficha? Será que não cai a ficha?
                Um sapateiro era um competente artesão e atendia uma bela freguesia, dominando seu trabalho e seu tempo com plena autonomia. Sustentava a família satisfazendo as necessidades básicas dos filhos e ainda sobrava para as férias familiares anuais. Um autônomo honesto, responsável e satisfeito.
                Eis que em sua vizinhança instala-se uma fábrica de sapatos, produção em série, máquinas e operários produzindo em massa, vendendo sapatos pela metade do preço cobrado pelo sapateiro artesão. Este fale, pois a freguesia some, ele cerra as portas da sapataria e se emprega como operário da mesma fábrica que provocou a sua falência.
                Homem brioso, o sapateiro segue as regras postas pelo apito da fábrica. Bate o ponto na entrada, no horário do almoço e na saída. Sua condição material agora mudou. Não é mais o dono do seu trabalho, nem dos instrumentos de produção que os fabrica. O dono da fábrica é o proprietário das máquinas e da força de trabalho dos operários que para ele trabalham mediante um salário.
                Entretanto, o sapateiro mantém um sonho, um desejo, uma esperança, uma expectativa. Assim que as coisas melhorassem, pensava ele, voltaria a abrir uma sapataria e voltaria a viver como antes, dono do seu trabalho, dos seus apetrechos e do seu tempo, como sempre fora, um sapateiro honesto, competente, responsável e autônomo.
                O nosso sapateiro vivia, então, uma dissociação. Do ponto de vista material ele era apenas um operário da fábrica de sapatos. Mas do ponto de vista mental ele ainda era autônomo, estava preso ao modo de produzir que praticava como autônomo, antes de falir.
                O tempo vai passando e o nosso sapateiro não consegue poupar para abrir uma nova sapataria e voltar a ser autônomo. Fica deprimido, mas não tem jeito. E, então, perde as esperanças e desiste do seu sonho.
                Porém, o sapateiro começa a pensar em como poderia melhorar as suas condições de trabalho e de salário. Percebe que há outros operários insatisfeitos e que também aspiram melhorias. Resolve juntar-se a eles e inscreve-se no sindicato dos operários para lutar coletivamente por elas.
                No momento, pois, que o sapateiro entra no sindicato para lutar coletivamente por melhorias ele se torna mentalmente operário. Agora sim, o sapateiro que já era materialmente operário, agora o é também mentalmente. Acabou-se a dissociação entre a sua condição material e a sua condição mental.
                O exemplo mostra como demorou certo tempo para cair a ficha do sapateiro. Em decorrência da falência da sua autonomia como sapateiro artesão ele se tornou operário de fábrica. Mas continuou mentalmente preso ao estado anterior. Apenas quando se inscreveu no sindicato ajustou a sua mente à condição de operário que ele já tinha desde que entrou na fábrica de sapatos.
                Em conclusão. As condições materiais da sociedade evoluem antes da situação mental. Esta apresenta um gap, uma defasagem em relação àquela. Demora a haver o ajustamento das duas, da mental à material.
                Na atualidade, a defasagem se dá entre a condição material da era digital e os padrões mentais da era anterior à Internet. Compreenda melhor lendo o livro “Internetism book”, de minha autoria, procurando este título no Facebook.

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