QUASE MORRI DE MEDO!


Não uma, pelo menos quatro vezes.

Gelei quando o boliviano me ligou e, em voz pausada: “Marcos, aqui é o César. Você não pode ser candidato a presidente do Centro Estudantil Santo Américo. Desista já desta sua candidatura.” E desligou.

Aos dezessete anos, nunca havia sofrido uma ameaça. Estávamos em 1962. Contei aos meus pais que não me deixaram acovardar, encorajaram-me, disputei e ganhei as eleições, discursando na inauguração do novo prédio no Morumbi, em 1963. E ainda ajudei a eleger o José Álvaro Moisés presidente da União Paulista de Estudantes Secundários.

César, do esquema que estruturou o bem sucedido golpe militar de 1964, perdeu no CESA e na UPES. Era da CIA? Talvez...

Já estava na Faculdade de Direito da PUCSP quando, chegando na FEI, Faculdade de Engenharia Industrial, onde seria o Congresso da UEE, União Estadual dos Estudantes, fomos todos enfileirados, trancados em camburões e conduzidos ao DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no Largo General Osório. O presidente da UEE era o Antonio Funari Filho e o presidente do DCE da PUCSP era meu colega de classe e amigo Luiz Gonzaga da Rosa Travassos, depois presidente da UNE, União Nacional dos Estudantes, morto em acidente depois de anistiado.

Nenhum dos mais de 400 estudantes então presos foram torturados. Sofremos ameaças preventivas, para não participar do movimento universitário. Claro, todos fomos fichados. O sistema rastreava os participantes.

Para mim, a conseqüência desta prisão foi muito pior do que a ameaça do César, porque eu internalizei o medo. Mas o perigo político não me impediu de comparecer ao congresso clandestino da UNE, realizado em um porão de uma Igreja em Belo Horizonte, em janeiro de 1967. Nem de compor a equipe regional da Juventude Universitária Católica, dirigir a Ação Popular no Direito da Puc, antes da sua opção pela luta armada que julguei um erro político e, de me eleger vice-presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto, na gestão Omar Laino.

Dou agora um importante testemunho histórico. Foi o Presidente José Sarney, com seu espírito liberal tolerante que permitiu à nossa geração de exilados em nosso próprio país, recuperar a autoconfiança, a auto-estima e superar aquela sensação de que a qualquer hora você poderia ser preso arbitrariamente.

A terceira vez que o medo tomou conta de mim foi em 1975, nos anos de chumbo. Os participantes do TUCA que inauguraram o Teatro da Universidade Católica em 11 de setembro de 1965, encenando “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Mello Neto e música do Chico Buarque, começaram a ser presos. Exatamente 10 anos depois. Já era casado, tinha três filhas pequenas, dava um duro danado. Cheguei a combinar com a família sobre ir para a França. Solto um dos membros, ele me acalmou e continuei trabalhando em São Paulo.

Na última, estava em minha sala quando a secretária me chamou dizendo que havia dois delegados do DEOPS querendo falar comigo. Na hora os três medos anteriores afloraram e a sensação foi péssima. Disse à secretária que os chamaria daí a pouco. Fiz uns cinco minutos de ginástica respiratória para baixar a freqüência cardíaca e me normalizar, recompus-me e mandei-os entrar.

_Doutor, tem havido muitos assaltos e roubos e nós estamos vendendo um livro...

_Interessante, disse com voz calma, sem mostrar ansiedade. Posso ver?

_Há sim! E me estenderam um exemplar.

Peguei bem calmamente, fui ao índice e o li pausadamente. Não fiz nenhum comentário. Pelo telefone disse à secretária.

_Por favor, D.Elizabeth, compre o livro destes senhores, pode nos ser útil.

Levantei-me, eles se levantaram, cumprimentei-os e agradecendo abri a porta para que saíssem.

Respirei fundo, afinal o Duda Collier, cuja foto figurava nos cartazes de terroristas procurados trabalhara como um dos nossos vendedores...

Coisas da ditadura militar. Agora vivemos um Estado democrático de Direito. Viva a democracia, o direito à livre manifestação do pensamento, as liberdades públicas.

Encerro lembrando Norberto Bobbio, em o “Futuro da Democracia”:

“Hoje, se se deseja apontar um indicador de desenvolvimento democrático, este não pode mais ser o número de pessoas que têm o direito de votar, mas o número de locais, diferentes dos locais políticos, nos quais se exerce o direito de voto;”

Sublinho, “... o número de locais, diferentes dos locais políticos...” Por isso estou esperando os estudantes, a exemplo da USP e da PUCSP que exijam participar das escolhas de seus reitores e diretores. É preciso mudar, avançar, evoluir, melhorar o indicador de desenvolvimento democrático... Norberto Bobbio merece!

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