JOSÉ DIRCEU
Acabo de ler a entrevista de José Dirceu à Monica Bergamo
nas páginas A6 e A7 da Folha de São Paulo de hoje, dia 20 de abril de 2018.
Cinco trechos me chamaram atenção. Vou registrá-los. Mas, antes, quero dizer
que conheci o Zé Dirceu em 1965, quando ele foi meu calouro na Faculdade de
Direito da PUCSP e pudemos conversar várias vezes antes dele ser preso em 1968,
no Congresso da UNE, em Ibiúna. Depois da anistia em 1979 o acaso proporcionou
alguns encontros entre nós. Vou comentá-los também porque penso haver coerência
na trajetória deste calouro que ganhou poder, dinheiro e fama. Embora, ontem, o
TRF-4 tenha mantido a condenação de Dirceu a 30 anos e 9 meses de prisão.
Pertencemos à mesma geração. Sou de dezembro de 44 e ele
do meio de 45. Os anos 60 foram efervescentes. Fidel toma o poder em 59. Kennedy
é assassinado em novembro de 1963. A guerra do Vietnã se intensifica com Johnson, a República Dominicana é invadida. No Brasil, depois dos 50 anos em 5 de
Juscelino, Jânio renuncia em 61, o parlamentarismo é aprovado, Jango toma
posse, o plebiscito lhe devolve a presidência, há intensa campanha pelas
reformas de base, os militares tomam o poder em 64, modernizam o país, em 13 de
dezembro de 1968 instalam uma ditadura com a edição do Ato Institucional n.5 e reina a paz dos cemitérios até o início da redemocratização do país. Tudo
isso se passa no contexto da guerra fria entre EUA e União Soviética. Esta só
se dissolveu em 1991, após a queda do muro de Berlim em 1989.
Éramos jovens, bombardeados por intensa campanha cultural
ideológica, de um lado o mundo livre, capitalista, de outro lado, o comunista em
suas diversas linhas, a soviética, a chinesa maoísta, a albanesa, a cubana, a
trotskista, para ficar nas mais conhecidas. A Igreja Católica, no maior país
católico do mundo, condenava o comunismo ateu e o capitalismo “intrinsecamente
mau”. E atuava através da Ação Católica, seguida pela Ação Popular, desembocado
na Teologia da Libertação e nas Comunidades Eclesiais de Base. Os evangélicos
ainda não eram relevantes. Este o contexto em “apertadíssima síntese”, como
dizem os advogados!
Em 1966, meu colega de classe Luiz Gonzaga da Rosa
Travassos era o presidente da União Estadual dos Estudantes. A sua sucessão não
foi pacífica e criaram-se “duas” UEEs, uma da Ação Popular, com a Catarina
Melloni presidente e a outra, da Aliança Libertadora Nacional, uma dissidência
do Partido Comunista do Brasil, o famoso PCB ou “partidão”, cabendo a José
Dirceu a presidência desta. Aí ele se torna um líder estudantil. Mas tudo
termina em 1968, com a prisão de todos em Ibiúna, onde se pretendeu realizar o
congresso da União Nacional dos Estudantes.
Abro um parêntese. O francês Roger Garaudy escreveu que
os militantes marxistas viviam as três virtudes teologais dos cristãos: fé no
determinismo histórico, esperança no advento do comunismo e caridade,
entregando-se de corpo e alma ao partido, cumprindo todos os mandamentos e
exigências do líder.
E agora eu cito Dirceu, respondendo à 17ª. pergunta: “Eu
fiz da minha vida praticamente o Lula. E me mantive leal a ele.” Entregou-se ao
chefe do partido. E continua: “eu sempre achei que a obra do Lula, a liderança
dele, o que ele fez pelo país, compensava qualquer outra coisa”. Uma
identificação de pasmar, pois aliena-se no chefe! Agora cito o fim da resposta à 33ª. pergunta: “Eu
tenho confiança de que o fio da história do Brasil não é o fio das forças de
direita. O fio da história do Brasil é o fio que nós representamos”. Ou seja, a
lei da história não é o imponderável. A história tem um sentido, um fio que
eles representam como vanguarda da classe proletária, que um dia derrubará a
burguesia e o capitalismo, uma mera questão de tempo. Ainda, a revelar um homem
que se alimenta da esperança, diz ao final da 17ª. pergunta: “Mas sempre tenho
a ideia de que, se souber levar a prisão, ela pode se transformar numa melhora
para você mesmo. De estudo, de pesquisa, de reflexão.”
Quanto aos ilícitos diz, respondendo à 18ª. pergunta: “o
que eu errei? Na minha relação com o lobista... .Ele reformou o imóvel. Eu não
paguei. Foi um erro meu. Eu não poderia ter estabelecido essa relação. ... Foi
uma relação indevida. Admito. Mas não criminosa.” Ainda, respondendo à 21ª. pergunta:
“Eu não deveria ter feito consultoria. Ela cria um campo nebuloso entre meus
interesses como consultor e o interesse público”.
Apenas três comentários, para finalizar. Em 1979
encontrei o Dirceu na Assembleia Legislativa de São Paulo. Aí ele me disse: “Marcos,
vou entrar neste novo partido porque assim a gente sobe ao poder juntos”. Chamou-me
atenção a ambição de poder como motivação.
O segundo, no dia do enterro do jornalista Claudio
Abramo, Dirceu disse ao Lula: “o Marcos é meu amigo da faculdade e é a pessoa
que mais entende de habitação popular no país”. Incontinenti, Lula me diz: “Marcos,
entra no PT através do Zé Dirceu”. Mas, ao nos despedirmos, vi o Lula ir ao
rosto da mulher do Dirceu, pegar os óculos escuros dela e colocar nele próprio.
Tirou, olhou, colocou nele novamente. Dirceu, mais do que depressa disse ao
Lula: “Fique com os óculos”. A mulher do Zé permaneceu calada. Lula entrou no
carro que o levara e, vestindo os óculos da mulher do correligionário submisso,
pôs a cabeça para fora da janela e acenou para nós. Fiquei chocado com a
postura subserviente daquele que se mostrara um corajoso líder estudantil e,
obviamente, não aceitei o convite formulado.
O terceiro comentário a fazer foi no Palácio dos Bandeirantes, enquanto estávamos aguardando a fila
para cumprimentar os parentes de André Franco Montoro, velado no saguão da
entrada: “Marcos, aprendi a ganhar dinheiro no capitalismo”. Na hora não
entendi o porquê desta fala. Só muito depois.
Como dizia Sartre, “a responsabilidade é individual, não é
possível transferir”. Bem, somos da
mesma geração e me realizei no magistério universitário, um trabalho de
formiguinha!
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