PREZADO AMIGO

É sempre uma alegria revê-lo. Afinal, já nos conhecemos por volta de uns cincoenta anos. E, quantas conversas e discussões acaloradas já não tivemos, ao longo deste tempo.

Mas ontem, eu fiquei realmente chocado. É que a certa altura, você praticamente exigiu, totalitariamente, que eu lhe dissesse, admitindo, que o atual Presidente da República foi o melhor de todos quantos o Brasil já teve, especialmente em relação ao anterior.

Observando que a sua defesa apaixonada do homem, em face da minha resistência quase indiferente a tal figura ia te deixando muito, muitíssimo nervoso, temi que sofresse uma débâcle física, pois, depois dos setenta, não convém que a exaltação supere certos graus. Então, por amizade, para acalmá-lo, atendi ao seu desejo e aquiesci que seu ídolo seria o máximo!

E é por isso que esta carta se faz necessária hoje, depois de uma noite de sono, após a metabolização do bom vinho que nos serviu para brindar a amizade, a nossa, e a dos convivas que nos agraciaram com as suas presenças.

Querido amigo.

Fiquei impressionado com a sua postura política, fanática, maniqueísta, agressiva em face dos adversários derrotados, contra o Estado de São Paulo, contra as elites paulistas e paulistanas, ecoando cânticos do marketing político oficial, como sejam, nunca antes neste país houve tanta liberdade de imprensa, tanta democracia, tanta afirmação nacional em face do imperialismo americano, tanta melhora da autoestima brasileira, tanta diminuição das desigualdades sociais, com um presidente saindo tão bem avaliado, e se em razão do Bolsa Família, então, vivas a ela.

Ora, em primeiro lugar, já posso, sem a presença da emoção apaixonada do amigo, reafirmar as minhas convicções, que são, em relação ao atual Presidente, contrárias às suas. Reconheço, claro, que a personalidade carismática do líder que está saindo da Presidência é fortíssima, a ponto de provocar verdadeira idolatria, com seguidores, inclusive, de intelectuais reconhecidos em suas áreas de competência específica.

Este fenômeno não é inusitado, nem desconhecido. Vários outros líderes carismáticos, em circunstâncias outras, se fizeram deuses para as massas, não só as ignaras, diga-se. Hitler, Mussolini, Stalin, Fidel e Mao, por exemplo.

De modo que eu estou espantado pelo fato do amigo que tão bem discerne os assuntos filosóficos, não discernir os assuntos da economia, da política e da teoria geral do Estado. Talvez seja exatamente por isso que faz uma defesa muito mais emocional, apaixonada e maniqueísta do atual Presidente, recusando-se a considerar até os números, desqualificando a própria matemática.

Longe de mim, preciso frisar, o desejo de confrontar números do atual governo com os do passado. Esse marketing do atual governo só pega os que não gostam da lógica, o que, obviamente não deveria ser o caso do prezado amigo, uma vez que, se há de se comparar algo, deveria ser com os outros países que vivem a mesma circunstância histórica. Referi-me à matemática apenas porque, ontem, você não quis sequer ouvir-me a respeito desta perspectiva de análise.

Porém, não vou me estender mais. Para mim, o governo Lula é neofascista, daí que você pode ler no meu blog, texto de março último, intitulado LULOFASCISMO. É curto, escrito em itens. E não estou só. Leia o Chico de Oliveira, a reação de D.Paulo Evaristo Arns ao desvario lulista na campanha, as ponderações de Hélio Bicudo e tantos outros, ícones da integridade moral, verdadeiros representantes da reserva moral da nação brasileira.

Eu, de fato, não perco tempo com o assunto Lula. Para mim, não merece. Ele entregou a macroeconomia ao PSDB, nomeando o deputado federal eleito por este partido para o Banco Central, cooptou o sistema financeiro nacional e internacional, cooptou todas as entidades de representação profissional dando dinheiro para as centrais sindicais, vetando o controle deste dinheiro público por parte do Tribunal de Contas da União, cooptou a UNE, o MST, os empresários através do Conselhão, consultivo apenas, permitiu a desindustrialização, infantilizou o povo, desmobilizou e despolitizou. Um governo nefasto, segundo seu amigo Plínio de Arruda Sampaio.

Last but not least, não defendeu os direitos humanos em Cuba e no Irã, fez um rearranjo dos programas sociais que começaram lá com o ticket do leite do Sarney, passando pela bolsa escola do Grama, prefeito de Campinas e do Cristóvão Buarque no governo do Distrito Federal, bolsa alimentação do FHC, aglutinou estes programas e o rebatizou de Bolsa Família, criando, no estilo do apontado por Vitor Nunes Leal em seu livro “Coronelismo, Enxada e Voto” o maior curral eleitoral, aí sim “como nunca antes neste país”.

Por isso ele se reelegeu em 2006, como bem apontou André Singer na revista do Cebrap, e agora elegeu a atual Presidenta, com 41% dos votos do colégio eleitoral.

Essa a minha constatação, que exponho com a sinceridade e a honestidade que a amizade nos recomenda. E, tenho certeza, apesar desta diferença de 180 graus em nossas avaliações a respeito do seu líder político, ela, a nossa amizade, perdurará pelo tempo dos nossos próprios tempos-vida.

São Paulo, 20 de dezembro de 2010.
Forte abraço,
Marcos

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