VOCÊ OUVE?


_ Agora eu vou pro quarto do pai! Disse mamãe, por volta das nove e meia da noite, sentada na cama do quarto do meu irmão, logo após tomar uma sopa bem nutritiva, comer o pãozinho com margarina e a gelatina de sobremesa. A amarela, preferida sobre a vermelha.
_ Deus é pai, vai pro quarto de Deus pai? Repliquei.
Em silêncio, meu irmão Marcelo e eu a conduzimos para o quarto dela, procuramos acomodá-la em sua cama, ela já não falou mais nada, sentamos por ali, dei-lhe a mão e disse algumas palavras de conforto, tipo, durma em paz, etc, enquanto alisava o seu braço, ela deitada de lado, sobre o coração.
Primeiro desceram Marcelo e o sobrinho Paulinho que a pouco havia chegado com a Bela, uma linda cocker spaniel de pelo preto bem lustroso, hábito dos netos, de deixar seus animais na casa da avó, enquanto viajam.
Paulinho deu um beijo na testa da vovó e desceu, fiquei mais uns vinte minutos sentado na poltrona mantida ao lado da sua cama, segurando as suas mãos, velando seu sono calmo e profundo. Examinei se o oxigênio estava bem posicionado em suas narinas e desci os dezoito degraus que mamãe, no último domingo, descera para almoçar com a neta Lucila.
Passava pouco da meia noite, Marcelo subiu para seu quarto, conferiu mamãe e desceu novamente. Tudo em ordem. Terminamos de assistir a um filmeco ficcional e subi para dormir, uns quinze minutos antes da uma do dia 29 de maio de 2013. Olhei-a, o barulho do oxigênio era diferente, pois batia nas paredes internas do nariz e não entrava no pulmão. Baixei um pouquinho meus olhos e achei que os lábios dela estavam muito arroxeados. Não a toquei.
_ Marcelo, vem aqui. Parece que a mamãe parou de respirar...
Ao acordar das três noites anteriores, sentar-se com as pernas para fora da cama e após colocar as suas pantufas, enquanto lhe servia uma portentosa xícara de leite com Nescafé tradicional e bastante açúcar, bem quentinha, chupando o canudinho, e tomando, uma a uma, as dez pílulas matinais que eu as colocava em sua língua, ela contou que estava ouvindo um coral, “do outro lado”.
_ Um coral formado por mulheres loiras, lindas, vestidas de longo branco, de rendas. E depois chegaram as crianças e em seguida uns homens.
_ Estavam vestidos com ternos? Perguntei.
_ Não, vestiam uma roupa branca, mas não eram muito visíveis.
_ E as músicas, são bonitas?
_ Lindas, maravilhosas...
Acho que mamãe gostou tanto do coral que decidiu participar dele. E tocar o violão e cantar as melodias que nos alegravam. Preste atenção: podemos ouvi-la!


            

Comentários

Unknown disse…
Que suavidade no seu texto. Acho que além da música , sua mae deve estar muito feliz pela boa leitura. De onde estiver, aposto que ela está muito orgulhosa da família e do carinho e atencao que recebeu de todos vcs. Adorei o texto. Uma bela homenagem.
Marcos Peixoto disse…
Obrigado Unknown, pelo comentário tão sensível.
Lucila de Jesus disse…
Pai, que lindo...e que bom que ela pode contar com a presença tão amorosa de vocês! E agora a alegria de estarmos todos com a presença tão viva da vovó para sempre dentro de nós! um beijo, Lu

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