TRAVASSOS, JOÃO PAULO E EU

Três calouros do Direito da PUCSP, na cidade de Santos, em julho de 1964, tomavam o café da manhã e conversavam, sentados à mesa de um bar, nas proximidades do canal 5: Luiz Gonzaga da Rosa Travassos, João Paulo Rocha de Assis Moura e eu.

Às tantas o João Paulo nos perguntou. Caso o movimento universitário exija, vocês terão coragem de assumir alguma liderança? A pergunta tinha sentido, porque fazíamos parte da equipe de base da JUC, Juventude Universitária Católica e costumávamos analisar a realidade segundo o método Ver, Julgar e Agir, eles dois, já desde os tempos da JEC, Juventude Estudantil Católica.

E a época, a história registra, era de espantar quem quisesse participar das transformações sociais, lutar pelas reformas de base, participar da construção de um projeto histórico brasileiro. Ainda que, como nós, de forma clara, transparente, pacífica, pela Ação Católica, ainda ligada aos bispos. Os militares e seus apoiadores civis já tinham resolvido quais as reformas necessárias para o projeto do Brasil Grande, do Brasil Potência. A prioridade número um era o combate à corrupção e ao comunismo, bem mais a este, como se viu mais tarde.

O Travassos, como o chamávamos, tinha sido presidente do Centro Estudantil do Colégio Santo Agostinho, o João Paulo, presidente do Centro Estudantil do Colégio Arquidiocesano e eu, presidente do Centro Estudantil do Colégio Santo Américo.

Aliás, o nosso primeiro ano reunia mais dois ex-presidentes de centros estudantis: o Eugênio Montoro, do Colégio Santa Cruz e o Rafael Noschese, do Colégio Dante Alighieri. Acho que o Moacir Concílio também tinha sido presidente, mas não sei de que colégio.

Quanto às moças nossas colegas, não sei dizer se alguma delas presidiu algum centro estudantil, mas certamente sim, a Regina Pasquale, talvez, porque muitas delas revelaram combatividade em suas futuras carreiras.

Quase um minuto de angústia transcorreu e o Travassos anunciou clara, calma e firmemente: sim, eu tenho coragem, se precisar eu assumo a liderança do movimento universitário. De fato, no segundo ano, como membro da Ação Popular, foi para o Diretório Central dos Estudantes da PUCSP, daí para a União Estadual dos Estudantes e comandou a UNE, União Nacional dos Estudantes, em total clandestinidade, até ser preso em 1968, em Ibiúna, banido e trocado pelo embaixador que o Gabeira e outros seqüestraram.

Posteriormente, em 1980, estive com ele em Santos, já anistiado, em debate presidido pela Telma de Souza, ano da fundação do Partido dos Trabalhadores.

Tínhamos ficado muito amigos, mas o Travassos não gostou quando, em 1966, recusei o seu pedido para que eu cuidasse do jornal da UEE. Ele havia sucedido o Funari na direção da União Estadual dos Estudantes.E eu tinha experiência com jornais estudantis: o “Morumbi”, no Colégio Santo Américo, o “Flap” do Conselho Juvenil da Aeronáutica, hoje uma importante revista criada pelo vizinho e amigo Carlinhos Spagat, o “Fórum” do Centro Acadêmico 22 de Agosto, do Direito da PUCSP e o “Atualidades Universitárias”, jornal universitário independente.

Travassos confiava em mim. Acontece que eu tinha encerrado quase dois anos de participação no “Morte e Vida Severina”, peça encenada pelo TUCA (Teatro da Universidade Católica) e queria recolher-me à biblioteca, o que fiz, elaborando uma tese sobre o Direito Positivo e o Direito Natural. Com ela participei do concurso de trabalhos jurídicos que o Pe Rafael Llano Cifuentes havia lançado pelo Centro de Pesquisas Universitárias, do qual fui, inclusive, um colaborador.

Diz a música que recordar é viver. E e´mesmo, porque estou revivendo aquele tempo...

Entretanto, novo encontro, caro amigo Travassos, agora só no céu. E, como você sabe, João Paulo foi encontra-lo em março passado. Espero que vocês dois estejam conversando nesta outra dimensão.

Diferentemente do Travassos, João Paulo e eu sofremos o exílio interno. Talvez seja mais difícil suportar a opressão cotidiana, a falta das liberdades públicas, a castração política, do que a saudade do país, enquanto se respira a liberdade e se tem a possibilidade de viver e estudar em países mais desenvolvidos.

Notei que os que voltaram anistiados estavam bem mais fortes, destemidos, engajados, mais confiantes no resultado da participação política do que nós que ficamos aqui com o rabo entre as pernas, sem optar pela saída armada, sem democracia e ainda por cima, sem acreditar no MDB, apesar dos esforços de um dos maiores homens públicos, o eminente professor André Franco Montoro, meu querido professor.

Em 1973 o João Paulo sugeriu e entramos na pós-graduação em Direito na USP. Convidou-me e acompanhei-o no magistério do Direito Tributário na Faculdade Paes de Barros,chegando a participar, com meu currículum, do registro no MEC. Nesta altura ele já era casado com a Ida, professora, uma das coordenadoras do Mobral, o Movimento Brasileiro de Alfabetização. Nós nos freqüentávamos. Ele morando na Rua Cardoso de Almeida, eu na Rua Ásia. Minhas filhas nasceram primeiro, a dele, a hoje jornalista Ana Maria, um pouco mais tarde.

Os caminhos da vida dificultaram o nosso convívio mais amiúde, mas a amizade sincera, franca e leal, acompanhado do prazer do encontro foi saboreada algumas vezes, em missas natalinas na Igreja de São Domingos, nas Perdizes. Em algum momento, mais recentemente, João Paulo me convidou e jantei com o casal em seu belíssimo apartamento da Rua Paraguaçu. Fiquei contente e feliz de vê-lo tão bem sucedido profissionalmente, bom advogado que era.

Agora ficam a saudade, a admiração e o respeito pelo velho amigo e companheiro. Até, meu caro João Paulo.

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